quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A culpa de uma flor

O dia amanhece e Rosa desperta-se para a tortura do mundo real. Na noite anterior, sem medir as conseqüências e nem ao menos saber o que fazia, perfurou o corpo de sua colega de sala com uma faca. O sentimento de culpa e o medo, agora perseguem a mente aflita de uma jovem apaixonada. No momento do crime, o coração batia ansioso e com muita raiva. Era uma explosão intensa e incontrolável.

Junior, o motivo do crime, foi um garoto sensato. Namorou Rosa por oito meses, mas logo que se encantou pelo lindo sorriso de Elaine estremeceu-se e anunciou a todos sua nova paixão, inclusive à ex-namorada. Foi honesto e em momento algum deixou de transparecer sinceridade às garotas. Assim, disse adeus à menina-flor, como gostava de chamá-la, e entregou seus lábios à outra.

Quinze dias de tortura e mais uns cento e vinte oito planos, sem pé nem cabeça, para por fim àquela breve história de amor. Rosa arquitetou - nas noites em claro, trancada em seu quarto - cartas, traições, escândalos e alguns puxões de cabelos... Mas em momento algum imaginou cometer um crime.

Com passos firmes e determinados, Rosa ganhou as ruas da cidade. Caminhava com os pés nas nuvens e visualizava mentalmente o super beijo que iria roubar de Junior no pátio do colégio. Pensava alto e sorria com as miragens: "Não posso falhar! Tem de ser hoje! Aquelazinha vai se acabar em lágrimas, coitadinha!".

Porém, ao chegar na escola, tudo o que antecipadamente tinha planejado veio por água abaixo. Elaine, munida de sua força corporal avantajada, esperava Rosa na calçada, logo na entrada da escola, e alguns gritos podiam ser escutados a distância: “Quem é que vai me desafiar hoje? Cadê a garota que vai roubar meu namorado?”.

Ai, ai... Rosa sentia que algo de errado estava prestes a acontecer e pensou meio que desolada, “por que fui contar meus planos a Bárbara? Aquela fofoqueira deu com a língua nos dentes”. Mais alguns passos e ao se aproximar do portão, uma guria qualquer prendeu os seus braços, e sem ter como reagir foi atingida por um soco na cara. Involuntariamente, ao retomar a consciência, Rosa apunhalou uma faca, arremessada por um colega, que mais tarde sobre o corpo gelado de Elaine confessou ser apaixonado por ela também.
Uma, duas, três facadas... e o corpo pesado de Elaine caiu ao chão.

Rosa olhou ao redor e sentiu que os olhos dos demais espectadores a devoravam. Sentiu medo, ou talvez não. Sei lá, acho que foi também meio que uma mistura de alegria e ódio.

O silêncio era extremo. A menina-flor levantou-se vagarosamente e com toda a delicadeza do mundo arremessou a faca sobre os pés de Junior.
Pensou rápido: “Não queria matá-la, mas agora que aconteceu, a vida segue” e com passos calmos deu início a mais uma caminhada sem rumo pela cidade, enquanto algumas lágrimas cortavam sua face. Na mente fervilhante, um rápido retrospecto trouxe a conclusão de que nesses dezessete anos vida isso tinha sido tudo o que tinha feito: Andar sem rumo por este mundo sujo e cruel!

Afinal,
Existiria culpa em seu ato? Passaria o resto de sua existência atrás de uma grade? Teria algum futuro na vida se não tivesse cometido o crime? Talvez... ou até mesmo não. Mas neste momento, Rosa nem dava importância a estas dúvidas e só conseguia pensar nas palavras que a esperavam ali na esquina. “Lá vem a polícia! Corra! Corra!"

E assim, mais uma vez sem pensar, ela correu.

Há pouco, com seu diário sobre o colo e uma caneta a rabiscar a folha em branco chegou a conclusão de que essa era a sua única e superficial forma de buscar a sua tão desejada liberdade, assim, viu nascer dos rabiscos uma flor triste presa dentro de um pequeno e desesperador vaso azul escuro.

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