sábado, 12 de abril de 2008

“10:33pm, o vermelho”

Por Diego sieg



“É tudo mentira!”

Com passos firmes, Renato ganha a porta de entrada do Metro. O sol quente do fim de tarde, em São Paulo, deixa estampado na face das pessoas uma sensação de cansaço e angústia. O cheiro forte do café fresco, que acaba de ser coado em uma lanchonete, invade as narinas de nosso herói e o faz resgatar diversas lembranças do passado, quando ainda vivia no interior, na casa dos pais. Dentro de sua cabeça, que durante anos produziu múltiplos e inimagináveis sonhos, agora, apenas algo sem gosto, fixo, pesado e escuro, que o tortura, involuntariamente, em doses homeopáticas.
O pequeno bilhete é engolido, com agressividade, pela catraca e o barulho, resultante da força do corpo aplicado sobre o equipamento, fere a sensibilidade de Renato, que de repente, em um déjà vu instantâneo absorve e visualiza, logo a sua frente, algo que iria mudar para sempre o seu destino.


“A taxa de juros cai e a economia do país se fortalece. Os consumidores empolgados saem às ruas e comprovam o seu novo potencial de compras”.


Márcia é secretária de um consultório odontológico, localizado no centro da cidade, e nesse instante aguarda, impaciente, o trem do metrô, na estação São Bento. A impessoalidade do ambiente permite-a concentrar em suas futuras atividades que terá de realizar no fim de semana que se aproxima. O celular toca, ansiosa abre a bolsa e caça, alucinadamente, em meia a bagunça o aparelho.
_ Alô!
E um breve período de silêncio separa a lágrima, que escorre dos seus olhos, de sua próxima e última palavra:
_ Deus!
O vagão chega e ao adentrá-lo, parcialmente sem raciocínios e cega, senta-se ao lado de um senhor de traços finos, barba branca por fazer, trajando roupas sociais um tanto quanto surradas. Continua estática e com os olhos fixos ao nada, nem dá atenção ao entusiasmado cumprimento de “boa tarde”, proferido pelo velho.


“Na próxima semana estréia a nova novela das oito:
“Cartas ao vento”, uma fantástica história de amor e loucuras. Assista, você irá se encantar!”.



Parado na plataforma de embarque da estação da Sé, Renato, fatigado e com os olhos secos decorrentes de mais uma terrível tarde em sua vida, percorre a 360º as faces, que lhe parecem totalmente monstruosas. Como pode um lugar com tantas vidas, parecer tão vazio, frio e sombrio?


“Somos seres vazios e superficiais que enxergam apenas os seus próprios umbigos. Apenas o sexo e a comida nos fazem possuir algum sentido”.



Meio que involuntariamente, Márcia começa a escutar as falas do senhor, porém fecha os olhos. Sente que tudo aquilo lhe tortura, mas, ao mesmo tempo, um prazer extremo a consume.
O velho, que para o público geral não passava de mais um louco vagabundo “gagá”, conta para si mesmo, com muito entusiasmo, suas aventuras vividas no ano de 1964, quando foi capturado por agentes do exército sob a acusação de ser um contraventor político à serviço do partido comunista, e toda a tortura sofrida. Insistia, alucinadamente e meio que em desespero, em falar sobre um tal de “Toninho do 312” e sobre a traição da esposa ao lhe denunciar.