terça-feira, 14 de outubro de 2008

"Flores e Mariana"

Outro gole! A anestesia da água o completa. Por toda a vida esteve à mercê de outros goles, outras verdades. Atrás de sua face opaca e jovial, carrega o amargo das lembranças de um passado doentio.

Enfim, o esboço da euforia: "Chuvas, sons, luzes, sombras, bocas, seios, copos e tragos". A loucura impulsiona a vida!

Já é começo de dia em Torres. O som das ondas e a paisagem o faz afogar-se em lágrimas. Mariana chega e fitando-o profundamente os olhos, derrama gotas da água que escorrem de seu longo e escuro cabelo. A paixão adolescente e a tão tortuosa decepção por não ter tido coragem, agora encontra-se face a face com ele.

Era uma noite qualquer, perdida em meio a tantas outras, em um simples café de Porto Alegre. Eduardo tenta escapar de seus sonhos e alcançar uma possível realidade.
_ Café curto, forte, sem açúcar!
_ Algo mais senhor?
_ Uma pedra de gelo também, por favor.
Mais uma noite de vida na busca por conforto à insônia que o consumia, quase que diariamente, após ter abandonado tudo e todos em sua antiga cidade. Acreditava não ser saudade, nem fraqueza, mas sim a incompatibilidade proporcionada pela tão esperada liberdade, que agora tinha o afastado do mundo, pois não possuía mais direções nem pessoas para que pudesse compartilhar os míseros momentos de seus dias.
A caneta consumia as linhas em branco da folha de papel, e Eduardo sentia o coração na boca, junto ao gosto amargo do café. Logo ao fundo, próximo a porta dos banheiros e a uma antiga caixa de som, que provavelmente há mais um século cuspia Fryderyk Chopin diariamente, um rosto delicado de uma garota de expressão triste e miúda. Olhando bem, ela nem parecia estar alí. Com um ar distante e imparcial, a garota travava os olhos com satisfação sobre as linhas de um pequeno livro, e alternava a leitura com o prazer do sabor de um capuccino.
Ao percebe-la, Eduardo ficou simplesmente paralisado, e fixou a caneta deixando inacabada uma palavra: “felici...”. Continuou alí, fitando-a de longe e tentando descobrir mais sobre aquela garota. Para o rapaz foi surpreendente o amor estabelecido por aquele primeiro contato.

Mariana viveu assim: Sonhando com a vida dos contos de fada que lia quando criança. “O amor impossível, mas verdadeiro”. A longa espera já durava alguns anos, e por muitas vezes já tinha se transformado em uma intensa dor.

Ao todo, nove xícaras de café e quase um maço de cigarros queimados sobre a mesa. A mão involuntariamente só conseguia agora traçar palavras que traduzissem a face da bela menina, que para Eduardo, ainda não tinha nome. Horas passavam, e olhares se cruzaram por muitas vezes...
Na cabeça de Eduardo várias tentativas de uma possível aproximação, porém todas barravam-se em sua falta de confiança, que conseguiu acumular durante toda a vida. Sempre a mesma dúvida: Como devo chegar? O que devo dizer? E se for rejeitado?
A sua frustração interior aumentava a cada segundo e a bravura com que a tinta consumia o papel, por alguns minutos, era impressionante. Não podia falhar. Tinha de ser aquele o momento certo!

Mariana, com toda delicadeza, chama o garçom e continua sua leitura após o retorno do atendente ao caixa.
Eduardo levanta-se e segue em direção a mesa da jovem. Pensa: pode ser minha última oportunidade de poder conhecê-la. Continua a caminhada, com passos firmes e calmos, e percebe que os olhares que anteriormente já eram trocados intensificam-se, cresce então sua expectativa, e também o pior - o medo de perder a coragem. Isso não poderia acontecer.
Continua, passa suavemente pela moça e meio que com um olhar muito tímido diz apenas uma palavra: Olá!
Recebe em troca um belo sorriso.
Afasta-se e segue em direção ao banheiro.
O espelho ri de sua cara.
_ Consegui! Consegui! Ela sorriu para mim!
Pensa alto: Agora é só voltar e dizer tudo o que estou sentindo neste momento, ou melhor, será que devo começar perguntando o seu nome?
Liga a torneira, que jorra uma água fria e feroz. Sente forte sua pulsação. Abaixa a cabeça junto a pia e molha o rosto buscando um alívio ao êxtase estabelecido. Antes de sair do banheiro e voltar ao salão do café, olha-se novamente no espelho e sorri sentindo toda a felicidade de uma vida em apenas um segundo.

O garçom retorna a mesa da garota. Ela fecha o livro após ler a última palavra. Suspira e prepara-se para sair. Caminha suave até a porta sentindo por dentro toda a intensidade da história que acabou de ler, transforma-se em Nástenka e vive “Noites Brancas” nos passos que a faz ganhar a avenida. Assim, a noite engole Mariana.

Abrisse a porta do banheiro e sai de lá o homem mais feliz do mundo. Olha violentamente para todos os lados e tristemente confirma: Acabo de perder o grande amor da minha vida! Passa pela mesa em que a garota deixara e encontra um guardanapo de papel dobrado ao meio, nele sete letras formando uma palavra: “Mariana”. Caminha de volta a sua mesa, toma seu último café acompanhado de mais alguns tragos e observa, quase que estático, a palavra rabiscada sobre o pedaço de papel. Chora!
Ganha as ruas e anda pela fria cidade sentindo o maravilhoso ar produzido pelo asfalto molhado, escuta, lá no fundo, dentro de sua cabeça sons que parecem se perder em meio ao concreto: Mariana!
A fantasia do irrealizável se estabelece. E guarda dentro de si o sabor e a força deste tão utópico nome. Mais alguns passos e pára por um instante, pensa: poderia ao menos ter lhe oferecido uma flor.

"Chuvas, sons, luzes, sombras, bocas, seios, copos e tragos". A loucura impulsiona a vida!

Já é começo de dia em Torres. O som das ondas e a paisagem o faz afogar-se em lágrimas. Mariana chega e fitando-o profundamente os olhos, derrama gotas da água que escorrem de seu longo e escuro cabelo. A paixão adolescente e a tão tortuosa decepção por não ter tido coragem, agora encontra-se face a face com ele.

De volta ao ponto inicial. Ao sentir novamente aqueles olhos, Eduardo deixa vir à mente toda fantasia que aquela noite no café promoveu a sua vida. E escuta, quase não acreditando, as palavras que dançam suavemente da boca de Mariana:
_ Guardo-te em meus sonhos desde o nosso primeiro encontro. Ansiosa em sentir novamente a profundidade de seu olhar. Aquela noite, sem nem entender direito, transformou a minha vida.

Mariana sorri, como só ela sabia fazer.
Eduardo, meio que encantado, oferece-lhe então uma flor. É correspondido e guarda pelo resto de seus dias o fabuloso cheiro promovido por aquele momento.

Outro gole! A água agora desce com o seu verdadeiro sabor: o êxtase da felicidade.

sábado, 12 de abril de 2008

“10:33pm, o vermelho”

Por Diego sieg



“É tudo mentira!”

Com passos firmes, Renato ganha a porta de entrada do Metro. O sol quente do fim de tarde, em São Paulo, deixa estampado na face das pessoas uma sensação de cansaço e angústia. O cheiro forte do café fresco, que acaba de ser coado em uma lanchonete, invade as narinas de nosso herói e o faz resgatar diversas lembranças do passado, quando ainda vivia no interior, na casa dos pais. Dentro de sua cabeça, que durante anos produziu múltiplos e inimagináveis sonhos, agora, apenas algo sem gosto, fixo, pesado e escuro, que o tortura, involuntariamente, em doses homeopáticas.
O pequeno bilhete é engolido, com agressividade, pela catraca e o barulho, resultante da força do corpo aplicado sobre o equipamento, fere a sensibilidade de Renato, que de repente, em um déjà vu instantâneo absorve e visualiza, logo a sua frente, algo que iria mudar para sempre o seu destino.


“A taxa de juros cai e a economia do país se fortalece. Os consumidores empolgados saem às ruas e comprovam o seu novo potencial de compras”.


Márcia é secretária de um consultório odontológico, localizado no centro da cidade, e nesse instante aguarda, impaciente, o trem do metrô, na estação São Bento. A impessoalidade do ambiente permite-a concentrar em suas futuras atividades que terá de realizar no fim de semana que se aproxima. O celular toca, ansiosa abre a bolsa e caça, alucinadamente, em meia a bagunça o aparelho.
_ Alô!
E um breve período de silêncio separa a lágrima, que escorre dos seus olhos, de sua próxima e última palavra:
_ Deus!
O vagão chega e ao adentrá-lo, parcialmente sem raciocínios e cega, senta-se ao lado de um senhor de traços finos, barba branca por fazer, trajando roupas sociais um tanto quanto surradas. Continua estática e com os olhos fixos ao nada, nem dá atenção ao entusiasmado cumprimento de “boa tarde”, proferido pelo velho.


“Na próxima semana estréia a nova novela das oito:
“Cartas ao vento”, uma fantástica história de amor e loucuras. Assista, você irá se encantar!”.



Parado na plataforma de embarque da estação da Sé, Renato, fatigado e com os olhos secos decorrentes de mais uma terrível tarde em sua vida, percorre a 360º as faces, que lhe parecem totalmente monstruosas. Como pode um lugar com tantas vidas, parecer tão vazio, frio e sombrio?


“Somos seres vazios e superficiais que enxergam apenas os seus próprios umbigos. Apenas o sexo e a comida nos fazem possuir algum sentido”.



Meio que involuntariamente, Márcia começa a escutar as falas do senhor, porém fecha os olhos. Sente que tudo aquilo lhe tortura, mas, ao mesmo tempo, um prazer extremo a consume.
O velho, que para o público geral não passava de mais um louco vagabundo “gagá”, conta para si mesmo, com muito entusiasmo, suas aventuras vividas no ano de 1964, quando foi capturado por agentes do exército sob a acusação de ser um contraventor político à serviço do partido comunista, e toda a tortura sofrida. Insistia, alucinadamente e meio que em desespero, em falar sobre um tal de “Toninho do 312” e sobre a traição da esposa ao lhe denunciar.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A culpa de uma flor

O dia amanhece e Rosa desperta-se para a tortura do mundo real. Na noite anterior, sem medir as conseqüências e nem ao menos saber o que fazia, perfurou o corpo de sua colega de sala com uma faca. O sentimento de culpa e o medo, agora perseguem a mente aflita de uma jovem apaixonada. No momento do crime, o coração batia ansioso e com muita raiva. Era uma explosão intensa e incontrolável.

Junior, o motivo do crime, foi um garoto sensato. Namorou Rosa por oito meses, mas logo que se encantou pelo lindo sorriso de Elaine estremeceu-se e anunciou a todos sua nova paixão, inclusive à ex-namorada. Foi honesto e em momento algum deixou de transparecer sinceridade às garotas. Assim, disse adeus à menina-flor, como gostava de chamá-la, e entregou seus lábios à outra.

Quinze dias de tortura e mais uns cento e vinte oito planos, sem pé nem cabeça, para por fim àquela breve história de amor. Rosa arquitetou - nas noites em claro, trancada em seu quarto - cartas, traições, escândalos e alguns puxões de cabelos... Mas em momento algum imaginou cometer um crime.

Com passos firmes e determinados, Rosa ganhou as ruas da cidade. Caminhava com os pés nas nuvens e visualizava mentalmente o super beijo que iria roubar de Junior no pátio do colégio. Pensava alto e sorria com as miragens: "Não posso falhar! Tem de ser hoje! Aquelazinha vai se acabar em lágrimas, coitadinha!".

Porém, ao chegar na escola, tudo o que antecipadamente tinha planejado veio por água abaixo. Elaine, munida de sua força corporal avantajada, esperava Rosa na calçada, logo na entrada da escola, e alguns gritos podiam ser escutados a distância: “Quem é que vai me desafiar hoje? Cadê a garota que vai roubar meu namorado?”.

Ai, ai... Rosa sentia que algo de errado estava prestes a acontecer e pensou meio que desolada, “por que fui contar meus planos a Bárbara? Aquela fofoqueira deu com a língua nos dentes”. Mais alguns passos e ao se aproximar do portão, uma guria qualquer prendeu os seus braços, e sem ter como reagir foi atingida por um soco na cara. Involuntariamente, ao retomar a consciência, Rosa apunhalou uma faca, arremessada por um colega, que mais tarde sobre o corpo gelado de Elaine confessou ser apaixonado por ela também.
Uma, duas, três facadas... e o corpo pesado de Elaine caiu ao chão.

Rosa olhou ao redor e sentiu que os olhos dos demais espectadores a devoravam. Sentiu medo, ou talvez não. Sei lá, acho que foi também meio que uma mistura de alegria e ódio.

O silêncio era extremo. A menina-flor levantou-se vagarosamente e com toda a delicadeza do mundo arremessou a faca sobre os pés de Junior.
Pensou rápido: “Não queria matá-la, mas agora que aconteceu, a vida segue” e com passos calmos deu início a mais uma caminhada sem rumo pela cidade, enquanto algumas lágrimas cortavam sua face. Na mente fervilhante, um rápido retrospecto trouxe a conclusão de que nesses dezessete anos vida isso tinha sido tudo o que tinha feito: Andar sem rumo por este mundo sujo e cruel!

Afinal,
Existiria culpa em seu ato? Passaria o resto de sua existência atrás de uma grade? Teria algum futuro na vida se não tivesse cometido o crime? Talvez... ou até mesmo não. Mas neste momento, Rosa nem dava importância a estas dúvidas e só conseguia pensar nas palavras que a esperavam ali na esquina. “Lá vem a polícia! Corra! Corra!"

E assim, mais uma vez sem pensar, ela correu.

Há pouco, com seu diário sobre o colo e uma caneta a rabiscar a folha em branco chegou a conclusão de que essa era a sua única e superficial forma de buscar a sua tão desejada liberdade, assim, viu nascer dos rabiscos uma flor triste presa dentro de um pequeno e desesperador vaso azul escuro.

A revolução

Era de um silêncio absoluto, um frio cortante. Sem nem entender, os passos rápidos consumiam com volúpia a calçada. Logo à frente, uma imagem desfocada e, ao mesmo tempo, com traços perfeitos, realçados pelos raios de sol.

Um cheiro doce invade o ar. Mais alguns metros e a imagem toma forma.


Nesse instante: um corte!

Eu ali, parado em frente a seus olhos.
Você sorri!

Acho que estávamos mergulhados em meio a flores.
Novamente o cheiro. Parecia um desses fins de tarde, daquelas intensas e claras primaveras.

Assoprávamos o ar deslocando toda a intensidade de nossas almas para o mundo. Era colorido, leve, sublime.

Não sei,
Uma brincadeira de se fazer esquecer o tempo. Ali, naquele instante, não existia mais nada, além de nossos corpos e a constante alegria.

Tão eterno, quanto a canção infinita que toca sem fim no desenho fixo à parede do mundo.

Rabiscos, sabores e bom dia!

Acabo de acordar!

Um suspiro, algumas lembranças, muita saudade e um copo d´água.

“O contador de estrelas”

Acordar para sempre com poesias,
Bom dia!

Assim, como a loucura dos sonhos, a vida será recheada de doces momentos inesquecíveis.

Olhe através da janela e veja o jardim! Flores, desejos e sabores.

Tente surpreender-se com as formas e as cores da vida. A alegria!

Sinta:
Os raios de sol baterem violentamente contra a madeira. A expressão da intensa força existencial dos astros.

Existência? Por falar nisso,
Andei pensando muito instantes antes de acordar...

Noite passada ao contar as estrelas, acabei exausto com o infinito.
São tantas as possibilidades. Por que não tentar?

De repente,
Um grito! E vi-me ali, sussurrando versos de amor ao pé do seu ouvido.

Sintetizar a eternidade, a beleza e os sentimentos, quase sempre, torna-se uma incrível brincadeira de encantos variados...

Confesso,
Quando abrir os olhos pela última vez em minha vida, lembrar-me-ei do sorriso que um dia pude contemplar.

Lembre-se:
O eterno jogo das surpresas e descobertas, ainda faz florescer intensas e verdadeiras paixões.

“Franjas, desejos e doses de anilorac”

- Preciso acordar... Um, dois, três e já!

Nem sempre isso é tão fácil. A paisagem vista através da janela do automóvel, tendo a lua como fundo, transforma a vida em um grande e infinito deserto. Um bocejo e já é noite. O frio castiga toda a extensão da carne cansada de tanta censura. Frágil coração iludido com os dias.

- O sexo, o amor, a mulher... Renúncias e mais renúncias na vida de um homem doente e insano.

?Sabe quando tudo parece perder o sentido¿ ?Aquela sensação de vazio e ansiedade¿ Sim, acordar e ver o nada refletido no espelho!

Tão bonito, tudo tão sensual e distante. Ah, me lembro dos momentos em que buscava seus olhos naquela inocente brincadeira de se apaixonar.

Encantos... Foram tantas as vezes em que me vi seguindo a rebeldia de seu cabelo e, sem esperar, recebi de volta um olhar tímido, daqueles que tentam despistar o desejo e adiar o prazer.

- Acredito!

Sou um deus no conforto escuro e solitário do meu quarto.

- Busco a luz!

Linhas e mais linhas rabiscadas à caneta tecem a liberdade e a incrível expectativa do beijo. Hum... O sabor! Sempre escutei os loucos por suas canções e cartas, mas não os compreendia. Agora entendo, essas são as surpresas do amor!

Enfim, após um forte abraço a longa estrada me espera. O caminho de volta para casa. Curvas que sempre mostram o futuro alí, logo a minha frente. ?Onde estou¿ ?Onde estarei¿ ?Quando¿ ?Como¿

- Km 45, estou quase lá!

Ah! Um dia desses, iluminado pela luz da lua, tomo coragem e, com passos calmos e toda a suavidade das nuvens, chego bem perto do seu ouvido e recito tudo o que está guardado, há algum tempo, aqui dentro. O cheiro do abraço, o sabor de suas palavras, a emoção dos sentimentos.

Adianto, assim, com flores e chocolate: Serão versos doces, sonhos e muitas noites a contar estrelas!

- 10:33 pm, hora de acordar!

- Bem-vindo ao mundo real!

- Adeus!


ps: algumas doses de anilorac e horas de insônia